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Cidadania e Direitos Humanos
Operação de acolhida a migrantes venezuelanos em Esteio completa cinco anos nesta terça-feira
05/09/2023
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Créditos: Adriano Rosa da Rocha e Mateus Grechi
Há exatamente cinco anos, em 5 de setembro de 2018, Esteio recebia 125 venezuelanos que deixaram seu país de origem, em profunda crise política, econômica e social, para reiniciar a vida no Brasil. A convite do então Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o Município aceitou participar do projeto Acolhida, do Governo Federal, e montou uma força-tarefa para receber os migrantes e refugiados. Oito dias depois, mais 89 venezuelanos chegaram, desta vez, com mulheres e crianças – o primeiro grupo era formado apenas por homens.
Keila Yepez, então com 42 anos, seu marido e dois filhos fizeram parte dessa segunda turma. Mesmo sem falar português, eles deixaram para trás a paradisíaca Isla Margarita e acabaram morando na rua em Pacaraima, cidade de Roraima que faz fronteira com a Venezuela. De lá, seguiram para um abrigo em Boa Vista, capital do Estado, onde foram convidados para se mudar para Esteio. Foi a primeira vez que a família ouviu falar na cidade. Depois de algumas pesquisas na internet, o casal deciciu aceitar a proposta e embarcaram num voo da Força Aérea Brasileira que cruzou o país de Norte a Sul.
Cinco anos depois, a família Yepez e muitas outras conseguiram refazer a vida. Muitos ficaram em Esteio. Alguns foram para outras cidades e até outros estados. Teve até mesmo quem voltou para a Venezuela. Mas todos receberam no Município a oportunidade do recomeço, com encaminhamento para oportunidades de trabalho, escolas e programas sociais em um programa coordenado pela Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos (SMCDH).
Família Yepez encaminhada
Servidora federal em seu país natal, Keila precisou fugir por se posicionar contra o governo venezuelano. Quando chegou a Esteio, pesava apenas 45 quilos e se encontrava com anemia profunda por não conseguir se alimentar direito, assim como toda a família.
Inicialmente, os Yepez foram para um abrigo no Bairro Três Portos. O aluguel era pago pela Organização das Nações Unidas (ONU) e os alimentos, doados e preparados pelo Exército. A assistência social para ela e todos os venezuelanos acolhidos ficava por conta da Prefeitura, que direcionava as crianças para as escolas, oferecia oportunidade de trabalho para os adultos e encaminhava todos para programas sociais e de saúde, entre outras ações.
Em pouco tempo, a família conseguiu se recuperar. Poucos meses depois, ela conseguiu emprego numa loja em Porto Alegre. Foi a primeira abrigada a se recolocar no mercado. Logo em seguida, o marido, Richard, formado em Medicina Veterinária e hoje com 51 anos, recebeu uma oportunidade e começou uma nova carreira na empresa UnidaSul, em unidade de São Leopoldo. Encaminhados, a família resolveu alugar uma casa, também no Bairro Três Portos.
Depois de passar pela loja na Capital, Keila foi atuar como merendeira e auxiliar de serviços gerais em escolas. Há dois anos, também conseguiu vaga na UnidaSul, onde trabalha no setor administrativo, na sede da empresa, em Esteio. Entre os colegas de trabalho, está a conterrânera Jennifer Valderrama, 36 anos, que também morava em Isla Margarita e veio para São Leopoldo em março de 2022 com o filho. Richard, por sua vez, foi transferido para a loja de Sapucaia do Sul, onde é colega do filho mais velho do casal, Andrés, 18 anos.
Já o caçula da família, Juan, 13 anos, cursa o 8º ano em uma escola em Sapucaia do Sul, onde hoje a família vive. “Morei em Esteio durante quatro anos. Temos o sonho de comprar um imóvel e voltar para a cidade”, contou Keila.
Agora com a saúde recuperada e estável financeiramente, a analista imobiliária voltou a sonhar e lutar por um futuro de sucesso para seus filhos, sendo um exemplo de alegria com o seu sorriso brilhante e sinônimo de força e dedicação para quem convive com ela todos os dias. Formada em Letras (Espanhol), atualmente está estudando Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e quer conquistar muito mais aqui no Brasil. “Eu quero fazer a minha vida aqui, estudando e crescendo para que os meus filhos vejam que sua mãe está sonhando, que está acreditando, para que eles tenham essa possibilidade de fazer isso também”, afirmou entre uma tarefa e outra em seu local de trabalho na última sexta-feira (1º).
Das ruas para imóvel próprio no Brasil
Depois de enfrentar tempos difíceis em seu país e de ter que se esconder nas montanhas para escapar da violência que ocorria na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, Johanna Salazar, 43 anos, foi “resgatada”. “Quando o ônibus que nos levou para Boa Vista chegou, eu estava chorando”, relatou.
Na capital roraimense, ela e outros migrantes se alojaram em um abrigo coordenado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Quando ofereceram moradia em vários estados do Brasil, ela optou pelo Rio Grande do Sul.
“Foi um processo psicológico forte. Tu tens que deixar para trás a casa, a família, os amigos…. Mas o que nunca passou pela minha cabeça era retornar para a Venezuela”, explicou Johanna.
Quando completou um ano em Esteio e se sentiu estável, ela trouxe o filho. Hoje, com 23 anos, ele é casado com uma brasileira e se encontra bem amparado. O irmão, a cunhada e seus dois sobrinhos também vieram tentar uma nova vida em Esteio, incentivados por Johanna.
Em Anzoátegui, ela era soldadora de eletrofusão na PDVSA Gás, estatal petrolífera. “Por ser mulher e fazer um trabalho que era um serviço visto como apenas para homens, para mim era sensacional fazer aquilo e quebrar esse tabu”, contou. Quando chegou a Esteio, ela quis seguir na mesma área e, com o apoio da Prefeitura, participou do “Mulheres em Construção”, onde pode dar continuidade aos seus conhecimentos e estudar hidráulica.
Atualmente, ela trabalha na Ecosigns, empresa localizada no Polo Petroquímico de Triunfo. “Consegui o emprego com a ajuda da Prefeitura. Toda a equipe da Administração Municipal me acolheu e tem protagonismo na minha história. Esteio é onde eu cheguei e é onde eu quero ficar. Aqui é a minha casa”, disse.
Há dois meses, Johanna conseguiu realizar um sonho: comprou seu apartamento e está deixando para trás o aluguel. Ela vai morar no mesmo prédio que o restante da família em Esteio, três andares acima do irmão, cunhada e sobrinhos, que optaram pelo térreo.
Grata e muito batalhadora, ela reconhece a todo o momento o quanto tem hoje em dia comparado à situação que vivia, e como precisa apenas do suficiente para ser feliz. “Há duas coisas que eu não quero fazer na minha vida de novo, que é casar e voltar pra Venezuela. Aqui tenho tudo o que preciso. O acolhimento foi excepcional, tenho o meu filho perto, tenho meu apartamento e a minha família está bem”, contou, satisfeita, na última sexta-feira (1º), em entrevista no Espaço Mundo, serviço da SMCDH inaugurado em novembro de 2020 destinado ao atendimento, orientação e escuta a migrantes e refugiados que vivem no Município.
Trabalho de várias mãos
Para acolher os migrantes e refugiados que chegaram em 2018, Esteio recebeu R$ 530,4 mil, recursos que foram investidos em ações para dar melhor acolhida nas áreas de assistência social, saúde e educação, principalmente, ao longo de seis meses. Além disso, a Associação Antônio Vieira (Asav), responsável pela gestão de recursos oriundos da Acnur, repassou R$ 170 para cada venezuelano acolhido por três meses como auxílio, que deveriam ser empregados na busca de trabalho e compra de medicamentos, por exemplo.
Os migrantes e refugiados foram alojados em dois abrigos, nos bairros Parque Tamandaré, exclusivamente para homens, e Três Portos, voltado para famílias. Os espaços eram geridos por servidores da Secretaria Municipal de Cidadania, Trabalho e Empreendedorismo (hoje, Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos – SMCDH) com apoio de diferentes pastas da Administração Municipal e de voluntários, especialmente do programa Conta Comigo.
Virou política municipal estabelecida por lei
As ações esteienses receberam diferentes reconhecimentos e foram base para a criação da Política Municipal de Acolhimento a Refugiados e Imigrantes de Esteio (Lei Municipal nº 7.517/2020), promulgada em 20 de junho de 2020. Entre seus objetivos, a lei busca promover a igualdade de direitos e de oportunidades a refugiados e a imigrantes, garantindo o acesso aos serviços públicos municipais como a qualquer outro morador da cidade, criar mecanismos e condições para o acolhimento, bem como estimular o engajamento comunitário na integração. O texto traz 21 diretrizes que guiam a execução do plano no Município, sob a coordenação da SMCDH.
O plano estabelece ações que visam desde os cuidados com a situação de extrema vulnerabilidade das pessoas na chegada, assegurar que elas possam participar de projetos e programas das redes municipais, inclusive de esporte, lazer e cultura, orientar sobre o acesso ao mercado de trabalho, estimular o empreendedorismo, promover aulas de português e estabelecer um canal para denúncias de violações de direitos.
A lei criou, ainda, o Comitê Executivo da Política Municipal de Acolhimento a Refugiados e Imigrantes, com a finalidade de formular, monitorar e avaliar o plano. O órgão é composto por representantes do Poder Público e da sociedade civil, como as associações representativas e organizações de apoio ao público-alvo da lei. Foi instituído, também, o Fundo Municipal de Acolhimento a Refugiados e Imigrantes, com o objetivo de facilitar a captação, o repasse e a aplicação de recursos destinados à execução desta política. O fundo buscará recursos disponíveis para a assistência a refugiados de organismos nacionais e internacionais, dos governos Estadual e Federal e, também, de contribuições feitas por pessoas físicas e jurídicas.
Centro Permanente de Acolhimento a Refugiados e Imigrantes
Em novembro de 2020 a Prefeitura inaugurou o Espaço Mundo, que fica junto à sede da SMCDH e que dá suporte a estrangeiros que escolhem Esteio para morar.
Em abril de 2022, a atenção da Prefeitura foi ampliada com a inauguração do Centro Permanente de Acolhimento a Refugiados e Imigrantes (Capir), espaço localizado na Rua Santana que funciona como casa de passagem, recebendo os estrangeiros em processo migratório por um período com a intenção de permitir que eles possam se estabilizar e recomeçar sua vida no Brasil. O serviço, executado pela SMCDH em parceria com a Associação Vivendo Atos 29, atende, atualmente, 31 pessoas.
O atendimento no local é dividido em cinco etapas, começando pela inclusão e adaptação, a partir do encaminhamento do Subcomitê Federal para Interiorização dos Imigrantes do Ministério da Cidadania em articulação com a gestão da SMCDH. Na sequência, é feita a promoção do acesso às seguranças sociais, como registro no Cadastro Único do Governo Federal para acesso a serviços, programas e benefícios sociais. Um terceiro momento prevê a articulação com outros setores municipais, para a inclusão em políticas de saúde, educação e trabalho, seguido por uma etapa de inclusão laboral e, por último, o acompanhamento e o desligamento da casa de passagem. A Prefeitura firmou um convênio com o Governo Federal para o custeio do espaço.
De acordo com a SMCDH, o município já recebeu cerca de mil pessoas de oito nacionalidades diferentes que permaneceram na cidade. Além de venezuelanos, há senegaleses, haitianos, palestinos, cubanos e salvadorenhos, entre outros.
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